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VIVA O QUE TE MOVE, NÃO O QUE TE MATA

O homem tem refletido mais sobre a morte, especialmente nesses dois últimos anos, e todo o pensamento feito sobre ela só pode ser em vida. A vida é o contrário radical da morte e a ignorância sobre esta é tão inflexível que todo começo de conversa sobre o tema é redundante como na frase anterior. Teremos nós, ao longo da existência, condição de dizer alguma verdade e certeza sobre a morte? A morte é aquilo que torna a presença finita e graças a ela podemos refletir sobre a vivência.

Todos os valores da vida só valem na finitude. Isso quer dizer que os valores só contam porque a existência é finita, até que se prove o contrário. Inclusive a reflexão sobre esses valores parece não abandonar a morte como condição necessária para se viver, quando escolhemos sentidos para a vida antes da nossa partida. E a partir dessas considerações, vamos desenhando as escolhas, os objetivos e caminhos a serem seguidos durante nossa jornada. Dessa maneira, sob o ponto de vista da nossa transitoriedade, muitos acabam por “fugir da morte” buscando o exaurimento em vida. Em outras palavras, atrás de uma progressão e valorização de sentidos que façam valer o tempo todo e a todo tempo.

Imagine que você possui uma filha e ela vai estudar no exterior e, em razão dessa escolha, você também resolve mudar para lá. Esse sentimento é gerado no intuito de proteger, acolher, ajudar, motivar, enfim, ficar ao lado dela é um valor inseparável do seu ser. Assim, você supera outras questões, inclusive aquilo que te devasta, que é ficar longe dela. Contudo, se ela fosse eterna, essa decisão possivelmente não seria considerada. E diante dessa conjectura poderíamos realçar a possibilidade de existir um outro tipo de “morte” como: “morrer em vida”.

Quando cuidamos da nossa alimentação e da parte física temos a morte como uma das referências, porque sabemos da importância dessas práticas para a longevidade. Caso fossemos eternos, supostamente não haveria essa preocupação. Considerando-se a brevidade da vida como um dado valoroso, é possível inferir que devemos vivê-la intensamente. Então tudo que foge a esse modelo é morte? E pensando dessa maneira, é possível existir “morte em vida”?

Algumas pessoas já retrataram em meu consultório que quando sentem depressão é como se ficassem paralisadas em relação aos seus sentimentos mais reluzentes e “morressem em vida”. A referência da doença passa a chamar a atenção, no sentido de examinar a vida vivida e a urgência existencial só fará sentido tendo como base, novamente, o parâmetro morte. Nesse caso, a morte passa a ser entendida pela falta dos sentimentos que pulsam a vida como: alegria, felicidade, amor, otimismo, paixão, tranquilidade e outros. E neste contexto a vida não parece ser apenas feita de “carne e osso”, pois apresenta também o nosso existir sem nenhuma relação com a morte morrida, mas sim com a “morte em vida”.

Conforme analisamos a morte nesse artigo, verificamos que ela pode ser entendida como o término da vida propriamente dita ou como uma passagem que nos faz perceber o sentido da vida, e diante da perda desse sentido, designamos o “morrer em vida”. A depender de como a vida é vivida, ela pode te dar a sensação de morte, não só originada pelas doenças mentais e físicas, mas também por um vazio existencial.

O medo da “morte em vida” nada tem a ver com a tanatofobia, que é o medo extremo da morte. A obsessividade do “morrer em vida” está na inexistência de sentido da vida produzido por sentimentos de falta de inclusão, fracasso, doenças graves e desamparo. E nesses casos são necessárias considerações para que sua “morte” não seja antecipada e para não experienciar o deslocamento da sua presença vital, aquela que é essencial para manutenção da vida.

Surge então a ideia de salvação como “antídoto” de algo “ruim”, buscando uma resolução oriunda de um valor “fracassado”, quando se “morre em vida”, ou como uma espécie de remissão dos pecados, em virtude do receio da morte física. E diante das “mortes” aqui declaradas, que podem ocorrer a qualquer momento, falar a respeito é a primeira ideia para que possa se ter a maior lucidez possível. No presente, a questão é: quem tem esse poder de “salvar” a nós mesmos das” mortes” simbolizadas nesse artigo?

Novas realidades surgirão a partir do momento em que nos conectamos com esse vasto universo interno. A constituição física humana atual é semelhante àquela do tempo das cavernas, mas mentalmente há uma grande diferença, porque o mundo “interno” evoluiu com a criação das novas ciências, entre elas, a Psicologia. E o objetivo dessa ciência, além de diagnosticar, compreender, explicar e orientar a mudança de comportamento, é lidar com as crenças, valores e visões de mundo, e como estes afetam a forma do ser humano pensar, agir e sentir.

Uma das possibilidades é saber lidar com os “tipos de mortes” que estamos dispostos a sentir. A morte física é certa para quem vive, mas incerta no tempo, logo, é possível senti-la? Já a “morte em vida” é incerta para quem vive, mas certa a depender da forma como se vive. E nesse caso, você consegue sentir e abstrair da sua “morte em vida”? Você já “morreu em vida”?

Enfatizo que o importante é pensarmos sobre essa “morte em vida” e a partir dela renascer, “crescer” e viver para enfim morrer, porque da finitude ninguém escapa. E mesmo vivendo nossa essência, será que ainda assim é possível “morrermos em vida”? O certo é não deixar de viver o que te move, para viver o que te mata. Há tempo para tudo! E você se encontra em que tempo?


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