Vamos imaginar a verdade como algo que se pensa e que se pode comunicar. Essa verdade implica numa relação entre o seu pensamento e o mundo vivido por você. O pensamento traz informações sobre esse mundo e apresenta características conhecidas do aprendido ao observado. Assim, a verdade pressupõe algo entre o pensado e o vivenciado. Algumas dificuldades aparecerão e muitos dirão só as verdades que foram aprendidas e observadas. E para dizer essa verdade é necessário puxar o “freio de mão” do mundo de “fora”, aquele que é desconhecido, inimaginável e escuro como uma caverna.
Então poderíamos propor algumas verdades que podem permanecer em nós mesmos por muito tempo, quiçá a vida toda. Já os pensadores, aqueles que viveram num tempo sem internet, sem celular, sem conexão direta com o mundo de forma instantânea, sugeriram ideias estáveis que se deixam transformar, que continuam a mexer conosco, mas ainda não são habituais perante nossa forma de pensar, ou você emerge no conhecimento de Platão, Aristóteles, Sócrates, Epiteto, entre outros, constantemente? Seguindo esse raciocínio é possível que as “verdades” refletidas possam ser mais apreciadas e deixarem de ser verdades para se tornarem um grito de liberdade. Platão já dizia que por traz de alguma coisa visível existe algo que se manifesta, ou seja, a sua verdade pode não ser verdade.
Na alegoria da caverna de Platão, as pessoas são escravizadas pela sombra. A sombra é a realidade. Se passar qualquer coisa por fora da caverna, eles só visualizam a sombra. E uma sombra o que é? No sentido figurado, algo que não se conhece com clareza, enigma. No sentido literal, espaço obscuro resultante da interceptação dos raios luminosos por um corpo opaco. Há alguma relação entre a sombra observada e a “sombra” do seu pensamento?
Talvez se pensarmos nas pessoas que vivem em “cavernas”, muitas delas ao observarem uma luz não tenham coragem de ir em sua direção, porque aquilo é um corpo estranho, desconhecido, dá medo e por mais que queiram enxergar, são dominadas por suas aflições, o que permite que observem apenas a sombra. No entanto, se alguém com muita coragem seguir em direção à luz conhecerá a existência fora dessa caverna além da sombra. E o pensamento agora é: o que fazer com essa nova verdade?
Na projeção da sombra da pessoa há também algo que é sensível e deve ser cuidado, mas esse não é o objetivo desse artigo. Quero retratar aqui, além do mundo das ideias, das “verdades”, da razão, do pensamento e do que passa na sua mente, o mundo profissional. Este mundo pode ser diverso daquele imaginado por você. E o que você anseia, profissionalmente, pode parecer muito aquém da realidade. Então o mundo parece não ser como é, porque há algo a mais do que seja.
A alegoria da caverna, tratada anteriormente, nos ajuda a estabelecer uma diferença importantíssima entre a opinião e a verdade confiável. A opinião tem a ver com tudo que pensamos através de algo sensorial, ou seja, os ocupantes da caverna só enxergavam sombra, mas essa percepção é uma verdade confiável? Como estamos todos na mesma “caverna”, essa opinião pode ser individual ou compartilhada. A nossa capacidade de perceber o mundo é parecida, mas o nosso “mundo” é igual? Veja nossa semelhança, o que temos como sentidos: visão, olfato, paladar, tato e audição. E se você fosse o único que tivesse mais um olho, uma orelha ou um nariz, essa percepção seria a mesma? Então percebemos que algo é semelhante porque somos parecidos, mas por que somos parecidos devemos ter as mesmas escolhas?
É possível discordar sobre causas mais abstratas? Sim, pois nem tudo é semelhante assim, nem quando se vive no mesmo ambiente. Veja o picolé de tamarindo. O gosto vem do paladar, óbvio! E nós percebemos que ante um picolé de tamarindo nossas papilas degustativas vão trazer o mesmo sabor. Mas algumas pessoas não podem nem ver picolé de tamarindo. Não gostam dessa fruta. Logo, observamos que as ideias relacionadas ao picolé de tamarindo podem até estar em nós, o que nos falta é aprender a não chupar o picolé desse sabor. E por que alguns insistem nisso, se não gostam?
Em relação ao mundo sensível, este parece se diferenciar do mundo das cavernas, em virtude de uma perspectiva. Muitas vezes, naquele, não observamos o que está ao nosso lado, mas algo mais distante. E como agregar esse mundo sensível ao seu mundo? Ressalta-se a possibilidade de a realidade das “cavernas” ser a verdade constatada pela maioria das pessoas. Mas perante o mundo sensível essa verdade não é igual para quase ninguém.
A pessoa que saiu da caverna retorna diferente, porque conheceu algo novo. Assim, observa que vivia uma vida ilusória, diversa do que poderia ser. Mas em relação a isso, nem todos terão as mesmas percepções, porque estas dependem das limitações de cada um. E será que aqueles que ainda vivem na “caverna” querem ter outro modo de vida ou preferem viver como “escravo” das próprias percepções?
Lembre-se, se você quiser viver uma vida distinta, deverá guardar certa distância daquilo que te atrapalha como: valores típicos do interior da “caverna”, os prazeres sensoriais divulgados pelo outro e o apego que surge dessa questão sensorial. Lembra do picolé de tamarindo? Então, conclui-se, é preciso se desapegar da verdade que não é sua.
E dentro de uma reflexão sobre as nossas virtudes, poderíamos pensar nas versões inteligentes das nossas paixões, onde “a maior parte do tempo que você se sente cansado não é porque você fez muito, mas porque fez pouco daquilo que te faz sentir vivo”, como fiz questão de destacar essa frase, de autor desconhecido, nas minhas redes sociais há poucos dias. A minha frase é: viva a verdade que te move, não a verdade que te mata.
Não deixe o medo devastar essa perspectiva que pode ser iniciada com uma imaginação sobre o mundo profissional. Até porque mergulhando nessa imaginação, às vezes nos destruímos e nos rebaixamos em termos existenciais, isso pode acontecer! Mas é preciso utilizar a inteligência para administrar esse medo. E isso chamamos de coragem. E essa coragem é necessária para vencer o aprisionamento, vencer a inércia, se posicionar diante de uma realidade de forma digna, autêntica, necessitando de todos os seus sentidos para uma verdadeira escolha profissional.
Não esqueça: a coragem não é a virtude de um desmiolado que ante uma realidade temerária, destrutiva, coloca em risco sua própria integridade física. Isso é ser sem noção! O corajoso é aquele que sabe gerir, virtuosamente, o medo. É por meio da virtude e da inteligência que ele administra essa coragem.
A prudência vai além da submissão ao medo. Ela é a perspectiva das virtudes, uma inclinação de caráter, ou seja, a de dar à própria vida um encaminhamento definido pelos próprios valores, inteligência e razão prática. A prudência se traduz em pensar a vida com excelência e viver de acordo com esse excelente pensamento. A prudência aponta para um exame profundo das inclinações existenciais pela razão e pelos melhores caminhos, logo, como buscá-los e como evitá-los.
O existencialismo parte de uma premissa da ideia de liberdade, inclusive quando se trabalha com aquilo que não se gosta. É notório que somos diferentes dos demais seres vivos desse planeta, em virtude dos demais existirem baseados no que necessariamente são, como: o bode é bode, a vaca é vaca e a planta é planta. As suas naturezas próprias é que os regem do nascer ao morrer, pois não são seres pensantes. Portanto, eles não deixam de ser o que são durante toda a sua existência. Já o homem não é nada quando nasce e em razão disso poderá ser tudo até morrer. E para você: é tudo ou nada?
Toda vez que deliberamos de forma correlata com outro ser, quem é o responsável pelas suas escolhas? Quando surge o eu escolhi, eu decidi, eu analisei essa escolha, isso nos cobra uma disposição, uma força para encarar nossas decisões. É tentador tirarmos do ombro essa possibilidade de decisão em razão de inúmeras questões. “Ah, não foi culpa minha!” “Eu só podia fazer dessa forma!” “Ele me aconselhou e eu segui!” Agindo assim, é difícil “bater no peito” para dizer: “eu sou o culpado”. Quando não questionamos essa liberdade de escolha para tomar nossas próprias decisões agimos de má-fé. É preciso saber ser livre e soberano e não renunciar essa soberania e liberdade pelo que nos acontece de “ruim”.
A liberdade nos cobra uma energia, uma disposição, um enfrentamento e quando isso é exigido a tendência é nos escondermos. E assim estamos sempre “fora” das nossas verdades. A partir dessas constatações, sempre damos um jeito de abrir mão dessa nossa escolha profissional. Quando relativizamos nossa liberdade temos mais facilidade de nos eximirmos das nossas verdades. Sabemos muito bem o caminho seguido, as escolhas feitas e não queremos carregar nos ombros esse “peso” de ser soberano e livre.
Destaco, por fim, a suma importância da prática de boa-fé, ela significa ser livre, ser culpado das suas escolhas, ter deixado alguém intervir no seu processo, assumir as influências surgidas e aceitar todas as consequências diante da sua liberdade, e assim viver sua “verdade verdadeira” perante uma escolha profissional. Não se arrependa do vivido, mas foque no que pode ser construído, afinal você ainda não morreu, ou já?
E por último, como não poderia deixar de ser e ainda em tempo: você está disposto a buscar essa verdade no seu processo de escolha profissional?
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